sábado, 28 de junho de 2014

MUSICLUBE DA PARAÍBA : Um olhar crítico sobre a história de um dos mais importantes movimentos de resistência cultural da Música Popular Paraibana.

      Foto 1 (Dario Junior) - Antiga sede do Musiclube da Paraíba que funcionou no primeiro andar do prédio do também antigo Círculo Operário, em Jaguaribe- JP/PB.   

Texto: Dario Junior

"Talvez não seja este o entendimento de muitos sócios que fizeram parte da história do Musiclube da  Paraíba e eu respeito e respeitarei a  opinião de todos. Talvez uns tantos tenham essa mesma sensação que tenho: de perda, ao revisitar a história  de um dos movimentos de música popular mais importantes que a Paraíba já teve, de uns 30 anos para cá", (Dario Junior, em março de 2014)

Sempre quis falar da minha experiência como sócio e participante ativo do Musiclube da Paraíba e acho que chegou o momento oportuno. Não posso aqui esmiuçar os objetivos ou as intenções mais profundas desta entidade de classe do compositor paraibano, surgida na década de 80 e que fincou raízes nos arredores de Jaguaribe, em João Pessoa-PB. Até porque, esse entendimento do que era realmente a entidade nunca ficou muito claro na cabeça de muitos dos artistas associados. 

Faço aqui uma análise sucinta e exponho alguns percursos seguidos, cujo trânsito de ideias, naquele momento histórico, transformaram-se em ações concretas com produções artísticas de peso no cenário musical da Paraíba. Estivemos presentes em muitas cidades do interior e bairros da capital, levando músicas e shows inéditos para associações de bairros, teatros, universidades, escolas, festas populares, praças e no próprio Círculo Operário em Jaguaribe, que no tempo em que me tornei sócio da entidade de músicos, se transformou na sede fixa do Musiclube. Foi lá onde pude entender melhor minha paixão pela música e produzir meus primeiros shows musicais no Teatro Lima Penante: "REVERSO" (1984), "NA CONTRAMÃO DOS DIAS" (1985), "REVOLTA DOS ANJOS" (1986), "QUE MORRA A GIA" (1988), esse realizado em terreno nos fundos do Circulo Operário, com direito a iluminação feita de spots de latas de leite e teatro de sombra com lençóis de dormir servindo de tela (tempos criativos!). Lembro também que montei por esse período, meu primeiro grupo musical chamado "GRUPO SANGUÍNEO" em 1988. A título de curiosidade, o título do primeiro show "Reverso" , foi uma palavra pinçada de uma música minha intitulada "Homem 2000" e que fazia alusão a chegada dos computadores nas nossas vidas e traçava alguns prognósticos sombrios do poder da máquina sobre o homem. Eu construía nessa música, uma crítica severa a essa era maluca da informática, em que vivemos hoje. O show aconteceu no Teatro Lima Penante em João Pessoa, em 23 de maio de 1984 e fez 30 anos agora em 2014!


     Foto 2 - Show "Reverso" que aconteceu no Teatro Lima Penante em João Pessoa,PB em maio/1984. O texto é de minha autoria e foi entregue na época a redação do Jornal O Norte para ser publicado.

No Musiclube, sempre nos reuníamos todos os finais de semana para discutirmos política, música popular brasileira contemporânea, fazíamos audições de LPs e fitas cassete, tocávamos uns para os outros, compúnhamos, produzíamos faixas e cartazes, tínhamos palestras, aulas de música e uma série de outras atividades artísticas. Recordo-me bem de alguns sócios do Musiclube que se tornaram parceiros musicais e amigos de profissão na época: Totonho, Junior Targino, Sergio Túlio, Roberto Araújo, Chico César, Pádua Belmont, Fernando Albuquerque, Adeildo Vieira, Carlitos, Nandinho da ilha, Robério Jacinto, Milton Dornelas, Paulo Ró, Pedro Osmar, Nelson Teixeira, Tatá, Jomar Araujo, Chico Viola, Josildo Dias, Escurinho, Kennedy Costa, Rodolfo Dartan, Cícero Targino, Clementino Lins e outros tantos colegas dos quais não me recordo agora, que frequentaram o clube e que peço para enviarem seus nomes, que terei o maior prazer em adicioná-los aqui.

Esses foram tempos de profunda atividade cultural, onde exercitávamos as habilidades musicais aprendidas e podíamos manter um diálogo aberto com a comunidade, levando cultura para os quatro cantos da cidade e do estado, com a profunda certeza de estarmos evoluindo musicalmente e politicamente, podendo assim medir a extensão  das nossas próprias experiências  musicais. 

Nas  frequentes participações  no projeto "Tocar por prazer" do Musiclube, nós, artistas associados, não tínhamos o intuito de ganhar grana alguma, ou de inseri-lo em algum projeto governamental, tínhamos sim,  o propósito de provocar ideias políticas e comunitárias através das nossas músicas, fruto do diálogo franco, aberto e sem atravessadores oficiais. Conseguíamos nessa época, manter com a comunidade um  sentimento de cumplicidade justamente por não termos vínculo algum com nenhuma entidade governamental. Foram momentos únicos que imprimiram novos rumos a música feita na Paraíba, naqueles tempos de farta colheita cultural e que começam a fazer falta hoje, no nosso árido terreno musical.

Tenho a convicção de que ao mesmo tempo em que essas ações e condições educativas de entendimento por parte dos integrantes, da importância  de ser músico com envolvimento em sua comunidade através de projetos importantes como Fala bairros, Tocar Por Prazer , Casas Populares de Cultura, Cursos, Oficinas Populares, etc., se tornavam uma atividade importante e um rumo a seguir, os objetivos primordiais do Musiclube, que era se tornar uma entidade de classe fortalecida, autônoma e desvinculada das garras do poder público, foram demonstrando seus primeiros indícios de enfraquecimento e descaracterização, que se evidenciaram e persistiram lentamente com o tempo decorrido, transformando as reuniões dos músicos  e compositores num marasmo sonolento e arrastado de discussões e debates. Em um dado momento, egos apoderaram-se do movimento deixando como consequência uma debandada de artistas insatisfeitos com a forma como estava sendo conduzida a entidade. 

Com o passar dos anos, a ideia propalada de uma "guerrilha cultural" combatendo um "analfabetismo cultural" e a construção de uma entidade de classe do compositor paraibano, autônoma e dona do seu nariz, foi ao meu ver, diluindo-se e deixando-se contaminar por um veneno lento e incômodo, que foi invadindo sorrateiramente o seu escopo estrutural chegando a abalar as entranhas coerentes da sua identidade, enfraquecendo assim um movimento cultural ímpar na história da música paraibana. A caça as verbas públicas e o "canto da sereia" dos políticos sedutores de artistas conseguiram com o tempo absorver lentamente a vitalidade e criatividade de um movimento cultural da mais alta importância, solapando suas bases e práticas populares de vanguarda e consumindo seus conceitos construídos a duras penas com o apoio de uma infinidade de artistas que tinham convicções verdadeiramente sociais, mas que foram esquecidos, sem celeumas, tendo como testemunhas, apenas, alguns sócios atentos e antenados ( dos quais me incluo) e aquelas singelas ruas do bairro de Jaguaribe (quando a sede do Musiclube funcionava ali há algumas décadas atrás) e as centenárias ruas do centro da cidade, quando nos mudamos algum tempo depois, para as dependências do Grupo Thomas Mindello. 

Foto 3 (Dario Junior) - Localização da outra sede do Musiclube da Paraíba, no Grupo Thomas Mindello, JP/PB
Nessa fase do percurso, já não éramos mais os mesmos... A frieza com que se conduzia as reuniões e as insatisfações dos sócios, revelavam os "outros" percursos que essa entidade de músicos trilharia, sendo suas ideias (ideias essas construídas com o suor de dezenas de artistas), transferidas para outras instâncias de poder e absorvidas gradativamente, com o passar do tempo, pelas garras oficiosas das secretarias de cultura e outros setores culturais do Município e Estado, nos governos que se seguiriam. Não cabe aqui formular uma tese científica para constatar se isso foi bom ou ruim para o Estado, ou se essa aproximação da experiência cultural/educativa do Musiclube com as secretarias de educação e cultura dos governos municipais e estaduais rendeu bons frutos. Cabe sim, deixar dito e escrito para todos os bons entendedores um "SINAL DE ALERTA" ao óbvio vazio cultural que se instalou e que provavelmente se instalará em nosso Estado, principalmente quando os poucos e valiosos movimentos legítimos de resistência cultural existentes, decidirem enxergar a cultura pela ótica oficial, seja ela de que partido for.

Lembro-me bem que juntamente com alguns amigos atuantes comigo nos eventos e projetos do Musiclube , já criticávamos a forma como as determinações e feitura dos projetos de música da entidade eram desenvolvidos. Percebíamos que a verticalidade preponderava nas ações e que o Musiclube padecia de um surto anti democrático, que foi ganhando corpo e descaracterizando seus reais objetivos. No lançamento do CD e livro do amigo Pádua Belmont, dia 05/abril/2014, na Energisa, ouvi de alguns o comentário da possibilidade em reunir mais uma vez os artistas do Musiclube, e muito mais recentemente eu vi um banner postado no facebook com um cartaz antigo do Musiclube dizendo que a entidade "estava viva". Em conversa recente nesse mês de junho/2014 com o amigo Adeildo Vieira no CCTA, discutíamos exatamente sobre isso e ele me falava que o Musiclube "estava vivo" nas nossas memórias, momento em que eu prontamente rebati, dizendo que a entidade deveria estar viva também fisicamente, como centro cultural atuante e aglutinador de novos talentos musicais, e que as novas gerações de músicos paraibanos estavam órfãs de uma entidade livre como o Musiclube.

Sem mais delongas, eu acho louvável que tudo isso esteja ocorrendo e que possamos reunir todos os músicos integrantes mais uma vez, para uma nova empreitada de ideias, mas antes, precisamos passar a limpo uma série de atitudes desmobilizadoras, que se tornaram obscuras e que levaram a entidade a uma desarticulação precoce, sendo suas ideias engavetadas em alguma sala esquecida, mas que podem estar esperando para serem reativadas pelos sócios ainda amantes da causa.

Concluo esse relato, dizendo que nunca compactuei com esse estado de coisas e nem concordei com a forma como algumas atitudes foram tomadas no âmago do movimento.

...Num dado momento dessa história, antes das entidades  oficiais de cultura do estado e município abocanharem a experiência cultural/educativa semeada pelo projeto, eu deixei de frequentar as reuniões do Musiclube.

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