segunda-feira, 28 de maio de 2018

PARA QUE SERVEM MESMO OS FESTIVAIS COMPETITIVOS DE MÚSICA?

Texto: Dario Junior





Repensando momentos e fatos marcantes da minha participação em festivais de música da cidade eu chego a conclusão que nunca morri de amores por eles. Nunca participei de festivais sem ter tido a intenção de apresentar um trabalho anárquico, crítico e provocativo, desmontando o que na verdade é tudo aquilo. Já participei de inúmeros festivais desde a década de 80, no Sesc/PB, Astréa, UFPB, Colégios da cidade, Funesc e outros que não lembro, mas sempre com um olhar atento ao mecanismo cínico que circula nos bastidores de alguns desses festivaizinhos de cartas marcadas. 

Lembro-me quando apresentei a música de minha autoria intitulada “Lúmpen” no festival do Sesc, década de 90, juntamente com o grupo Tribo Ethnos de Valmir Vaz (Vant Vaz), que na época me acompanhava nos Shows fazendo intervenções com dança. Bolamos uma coreografia incrível com muitas tochas acesas alimentadas com querosene, e nesse dia nos apresentamos  causando espanto e surpresa aos que nos assistiam. 

Em outros momentos do Sesc, também década de 90, inscrevi e classifiquei uma música minha bastante crítica intitulada  “Náufragos” , acompanhado por banda com Xisto Medeiros no contrabaixo e Guegué na Bateria, a letra da música tinha frases polêmicas como estas: “Essa cara romântica da sociedade confunde-se com a cara azeda do poder..."; "A grande hipocrisia está aí a nos escutar..." ; "Beijaremos a face de Deus com lábios flamejantes de indiferença/Esse Deus vazio de cócoras pro mundo..." . Não deu outra, fomos desclassificados logo na primeira etapa!

Ainda no festival do Sesc, em 1994,  apresentamos na abertura o Show PULSANDO, com um painel de fundo contendo ex-votos, candeeiros e bonecos de luva. Eliete Matias e Eu cantávamos vestidos com roupas espelhadas do Cavalo Marinho, coroas na cabeça e com um pano escuro cobrindo a indumentária representando o luto pelas parcas políticas culturais da época (e que continuam). No decorrer do Show performático íamos retirando o luto. Paulo Ró nos acompanhou nesse show com solos de violão.





No I Festival da Canção Universitária, década de 80, precisamente 1985 eu me apresentei de Paletó, calça social e gravata, a atriz Eliete Matias com uma roupa estilo anos 20 e o saudoso Balula com um véuzinho branco na cabeça fazendo um vocal sexy na música que classifiquei intitulada “Beijo das minas de carvão”. Essa apresentação terminou de forma hilária quando no fim da música eu ergui um quadro com cartaz de papel criticando o evento e meti na cabeça do baterista motoqueiro que tocava de capacete na cabeça (ato ensaiado claro). Ele ficou com aquilo no pescoço até o final da apresentação e a confusão rolou solta! Desclassificação foi o que sobrou pra nós! 


Na verdade festivais de música de uns longos tempos para cá, perderam o sentido, passaram a não acrescentar nada a cena musical, e chega a ser um retrocesso enorme utilizar  tal estratégia  em tempos de golpe de estado, ataques a democracia e minguadas políticas culturais. Acredito que o dinheiro aplicado em festivais, eventos e gastos excessivos com músicos convidados, estariam melhor aplicados em projetos permanentes, repito, permanentes,  nas praças, nos espaços alternativos de cultura e  nos bairros das cidades, não sendo necessário premiação competitiva e nem o crivo de uma quase sempre comissão selecionadora e julgadora escolhida a dedo e que já não faz mais sentido existir nos tempos atuais. Isso eu falei com a mesma ênfase em reportagem ao jornal O Norte em 1992, logo após o meu desinteresse pelos festivais de música e o surgimento de uma postura crítica diante deles.
Em decorrência de tudo que falei, fica evidente a necessidade de se aplicar dinheiro em projetos PERMANENTES e COMUNITÁRIOS sem fins eleitoreiros e que isso contribuirá para uma formação  de plateias nos bairros e nas cidades, diversificando os espaços públicos de cultura, e valorizando um trabalho livre e democrático que hoje se encontra em declínio exatamente pela falta de entendimento, pelo descaso e pelos desacertos de anos e anos dos que se colocaram como donos da cultura. Nós artistas, também temos uma parcela de culpa nesse estado de coisas. Unidos, com projetos permanentes e discurso crítico, realizaremos sempre novas conquistas!



  *Os textos e fotos de Dario Junior estão licenciados pela Creative Commons. Qualquer utilização,  será possível com a autorização prévia do autor, que deverá ser consultado.

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