domingo, 23 de março de 2014

HISTÓRIAS DO TEMPO EM QUE BRINQUEI NO CAVALO MARINHO DO MESTRE JOÃO DO BAIRRO DOS NOVAIS- JOÃO PESSOA-PB-BRASIL


(UM RELATO DA MINHA CONVIVÊNCIA COM O GRUPO CAVALO MARINHO)

Por Dario Jr.

Lembro-me bem dos muitos ensinamentos que recebi do Mestre Joao do Cavalo Marinho do Bairro dos Novais e todo o grupo de jovens que se revezavam felizes dançando e brincando no grupo folclórico nascido naquele bairro. Em minhas andanças pelo bairro eu, Dario Junior, minha companheira Eliete Matias e meu filho Marcel, com 5 anos de idade  naquela época, passamos de admiradores a membros brincantes ( Primeiro Galante e Dama) deste grupo encantador que vem se transformando infelizmente num dos escassos redutos culturais em  processo de extinção, do nosso município e estado.



Por vários meses em companhia do Grupo, chegamos a sentir o quanto de riqueza e potencial cultural era desenvolvido no Bairro dos Novaes. Convivi de perto também com o mestre Joaquim do Babau que residia pertinho do mestre João e formavam uma grande rede cultural de resistência, incluindo seu zequinha da rabeca e um cirandeiro amigo seu, morador na rua atrás da sua. Presenciei também em algum momento dessa história, a triste condição em que se encontrava o Mestre João, pedindo dinheiro a um e a outro, perambulando pelas instituições culturais aqui de João Pessoa atrás de ajuda para o seu Grupo e tendo como reposta quase sempre um "Não". Não posso deixar de mencionar que anos depois, nas últimas conversas que tive com o Mestre ele demonstrava um pouco de alegria com a conquista da sede do grupo e falava com orgulho por possuir um espaço próprio para os ensaios.


Regressando a época do nosso envolvimento com o grupo, convivemos também com seu filho "pirralhinho" que já demonstrava destreza nos movimentos da  dança do cavalo marinho e comandava o grupo como Mestre, levando muito a sério todo o ritual secular daquela dança preciosamente preservada por todos! Como participante pude sentir a riqueza cultural concentrada nos movimentos, letras das músicas e coreografias minuciosamente repetidas, trazendo trejeitos e rituais preservados durante séculos e que desabrochavam como rosas perfumadas em meus olhos e sentidos ávidos e curiosos de tantas cores e gestos! Os sons  das zabumbas, maracás, matraca, rabeca,chocalhos, pandeiros e vozes recitando as loas, faziam-me  mergulhar séculos de distância: nos engenhos suntuosos, na religiosidade preservada do povo nordestino, nas cidades antigas com canaviais ao redor e me transportavam também para países longínquos como Portugal, França, Espanha e ao Continente Africano, tudo formando um grande núcleo colorido, concentrado nos gestos e atitudes dos participantes. o Mestre Joao fez questão de incluir nas coreografias o "Engenho", que ele dizia ser uma surpresa guardada para mim! Ensaiávamos em sua casa numa salinha pequena de uns três metros quadrados com piso de barro, banqueta repleta de santinhos católicos  e  orixás africanos e outras vezes íamos ensaiar na rua em frente a sua casa e começávamos a brincar (dançar) tendo a atenção de toda a comunidade.



Em muitos momentos eu pude compartilhar com o mestre Joao de suas interpretações musicais, batendo o pandeiro e cantando. Percebi a partir de então, o quanto as canções do Cavalo Marinho eram belas e traduziam toda a singeleza das danças. Os instrumentos, em sua maioria percussivos, batiam fundo na alma dos brincantes e de cada espectador presente nas brincadeiras e ensaios. Os trejeitos engraçados do Mateus e da Catirina são sempre um show à parte nas apresentações. No período em que brinquei no grupo, o Mestre Joaquim do Babau ( Pai de Vaval do Babau) não fazia mais a Catirina. Eu cheguei a vê-lo como Catirina em outras apresentações do Cavalo Marinho, anos antes, quando eu era Programador Cultural da Biblioteca Central da UFPB, e fiquei fascinado com sua graça e competência cênica ao interpretar a Catirina, vestido de mulher, com lenço na cabeça, o corpo e o rosto borrados de carvão e com a voz fina para parecer a verdadeira Catirina. Lógico, chamava toda a atenção para si!




Nesse período como Programador Cultural da Biblioteca Central, meu encanto era tanto com o Grupo que cheguei a convidá-lo para dançar na programação cultural da BC. Estávamos no reitorado de Sobrinho e a BC  era Dirigida por  Marilda, que muito incentivaram essa iniciativa. O Cavalo Marinho fez uma apresentação memorável em frente a Biblioteca, fazendo com que todos os estudantes parassem de fazer suas pesquisas e trabalhos, e descessem do primeiro e segundo andares esvaziando os aposentos da BC e viessem compartilhar aquele momento primitivo e irresistível da dança secular do Cavalo Marinho, majestosamente encantador naquele dia, com suas fitas coloridas esvoaçantes e tendo como cenário de fundo coincidentemente uma plantação de Pau Brasil cuidadosamente disposta nos jardins da BC, que ainda hoje deve guardar na memória intrínseca de suas raízes àqueles momentos inesquecíveis! Nesses dias de programação cultural da BC, convidei também os grupos folclóricos: Congos e Pontões de Pombal, o Reizado e tivemos uma apresentação admirável do teatro de bonecos do Mestre Joaquim do Babau para a garotada presente.

Em outro momento também memorável, eu me vejo brincando em pleno Ponto de Cem Réis com o Cavalo Marinho. Todos os pedestres passando apressados para os seus afazeres e compras diárias e nós do Grupo, em pleno centro da cidade, com uma formação arquitetural de nave espacial intergaláctica, com capacetes ofuscantes, os espelhos reluzentes da indumentária do grupo e as roupas multicoloridas soltas ao vento! Brincávamos indiferentes a tudo, ecoando as vozes em todas as direções da praça, tendo o mestre João como condutor batendo o pandeiro e cantando as belas músicas antigas do repertório, na sua maioria de domínio público, sem dono, mas que continuavam nas memórias dos jovens e adultos do grupo. Eu reparava no rosto das dezenas de pessoas a surpresa de nos ver dançando ali, despreocupados com tudo, e escutava o tilintar de moedas sendo lançadas aos montes, num pandeiro no chão. Este cenário passou a ser o eterno cenário de uma das minhas músicas intitulada "Nave", que compus anos antes dessa apresentação no centro de João Pessoa, mas 

que dei de cara com as palavras e melodias dela espalhadas ali por toda a praça, como se nunca  tivessem arredado os versos daquele local. Sim, eu estava a bordo de uma incrível "Nave Intergaláctica" que me conduzia no tempo ao abrir e fechar os olhos, sob a atenção curiosa da platéia deslumbrada!




NAVE (Dario Junior)


TODAS AS PAIXÕES

TODOS OS GRILHÕES

TODAS AS MENTIRAS



SERÃO PÓ...

BEIJOS AOS MILHÕES
LUZES ACENDENDO
ESTE CORAÇÃO
TÃO BOM!

DESERTOS NÃO TERÃO
AS DÚVIDAS NÃO VIRÃO
E TUDO SURGIRÁ
NUMA NAVE ESPACIAL
INTERGALÁCTICA


NO CENTRO DA CIDADE
NO COMÉRCIO INTENSO,
PESSOAS A PASSAR...
E A SURPRESA DE NOS VER PASSAR
NUMA NAVE ESPACIAL INTERGALÁCTICA!


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